segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Coleção.


"Não ela não era tola. Mas como quem não desiste de anjos, fadas, cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy-end’s cinderelescos, ela queria acreditar. Até a noite súbita em que não conseguiu mais." Caio F. Abreu


Como sempre ele chegara com o mesmo tom de cobrança:
-  E então? Está tudo pronto? Está tudo feito?
Mas desta vez a resposta o surpreendeu.
-  Não! Dizia ela naturalmente, como se todos já esperassem isso.
-  Como não? Não estou te entendendo...
-  É, não está pronto, e nem vai ficar.
-  Olhe que agindo assim, você vai acabar deixando de ganhar aquelas belas estrelas prateadas e brilhantes que você gosta tanto. – Disse ele num tom ameaçador.
-   Já tenho muitas.
-   Sim...mas e sua coleção?
-   Acho que já não tenho mais potes para guardar tantas...
-   Mas isso é simples de... - E antes que ele terminasse de falar ela o interrompeu:
-   NÃO! Não é um problema a ser resolvido. É uma decisão precisa e certa.  Durante toda a minha vida fiz tudo para consegui-las. Escalei as mais altas montanhas para alcançá-las. Decifrei enigmas. Perdi-me. Sofri. Sangrei. Acreditei e venci. Mas, não acredito mais. Não acredito que todos estes potes cintilantes sejam o meu brilho. Não creio que neles contenha meu sacrifício. Não creio que eles guardem minha vitória ou felicidade...aliás... - Antes de terminar, a voz já precipitada e alterada impede:
-   Deixe de besteira e pare de pensar. Você deve apenas acreditar em mim. Colecionar as estrelas é o melhor pra você! Acredite.
A menina permaneceu em silêncio enquanto observava atentamente todos os potes repletos de brilho. Como se não tivesse a intenção de ser ouvida ela começou a falar pausadamente:
-   São poucas...
-   Como?
-   Olhe para estas estrelas...O que elas são perto da imensidão do céu?
Uma lágrima escapou de seu controle e o silencio permaneceu. E então ela continuou:
-   Diga-me, pois então, o que farei com todas estas estrelas se não puder ver o céu? Se não puder ver-las brilharem no céu?
Estarrecido com a pergunta, ele tentou argumentar algo, mas as palavras tremidas e gaguejadas não formaram qualquer sentido. Sem saber o que fazer, ele resolveu deixa-la. Antes que abrisse a porta ela disse:
-   Espere.
Surpreso, ele deu um passo para trás buscando ouvi-la.
-   Leve. Leve com você todos estes potes. Eu não precisarei mais deste brilho ofuscante. Um dia alcançarei o céu e viajarei livremente por entre as estrelas mais brilhantes. Eu serei uma delas...
Sem dar o mínimo crédito à convicção esperançosa da menina, ele saiu como se nada tivesse ouvido.
As conseqüências não tardariam...
Um profundo estado de torpor a abarcava e ela continuava trabalhando no seu processo de ruptura. Quebra de paradigmas. Interrupções de conveniências. Cancelamento. Uma mudança estrondosa estava por vir.
Não haveria mais coleções de estrelas brilhantes para alguém que começara a acreditar que o CÉU é o limite!



Um comentário:

  1. Eu não sei te dizer em que ponto foi. Talvez pelo nosso crescimento, talvez pelo nosso amadurescimento, talvez pela política, pela arte, pela música ou até pela indignação com o mais básico. Algo te mudou. Você que era a colecionadora de estrelas douradas, você que era a infante com uma rede atrás de borboletas azuis, você que era a mergulhadora que roubava estrelas do mar vermelhas.
    Talvez um raio de Sol tenha te tocado, talvez o toque do luar, talvez tenha se incomodado com a comodidade e se consumido de tanto consumismo.
    Talvez tenha visto como as coisas são...
    Ou simplesmente como não são.
    Talvez, no meio de toda essa nossa trajetória em busca do infinito, tenhamos começado a acreditar na simplicidade, e na futilidade, tenhmaos concordado com a imperfeição e nos adaptado à diferença.
    Talvez, só talvez, no meio de tudo isso, estejamos nos encontrando.
    Em meio ao que fomos, ao que estamos sendo, ao que seremos e ao que quereríamos ser...
    Em busca de uma terra do nunca que talvez esteja sempre dentro de nós, caminhamos, lado a lado, jogando aqueles velhos potes dourados pro alto, e quando estalirem seus vidros contra o chão de terra batido de nossas vidas, sorriremos, ao retorno magnífico das estrelas ao seu lugar de origem...
    nosso Céu.

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